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Tecnologia, Gênero e Política

Blog da Código Não Binário e Núcleo Digital

Google, Meta e até o ChatGPT estão te manipulando, mas não do jeito que você imagina

Essas semanas estamos em intenso debate sobre impactos de IAs na sociedade, por exemplo como a inteligência artificial privatizada (como o ChatGPT é, pela Microsoft) pode ser vista como uma máquina ideológica e o caso de Meta/Facebook e Google manipulando o público contra a (e portanto justificando a necessidade da) PL das Fake News.

Se tem discutido muito a manipulação pela Big Tech com sua propaganda as pessoas usuárias como forma de sabotagem ao PL, o contra-ataque do governo federal e do judiciário e a urgência na regulação das mídias. Estamos finalmente lidando com o tema com mais firmeza, técnica e maturidade depois de tudo o que passamos com o bolsonarismo, mas será que estamos enxergando o problema em toda sua profundidade?

Na semana passada, o sociólogo Nick Couldry fez uma palestra no IEA/USP sobre “O Espaço do Mundo: Plataformas Digitais e Perspectivas para Solidariedade Humana no Século XXI”. Em seu livro “Media, Society, World: Social Theory and Digital Media Practice”, Couldry explora como as plataformas de mídia social como Facebook e Twitter estão transformando a maneira como os indivíduos se conectam e constroem suas identidades. Couldry argumenta que essas plataformas não são simplesmente ferramentas neutras, mas sim agentes ativos que moldam nossa compreensão do mundo e nosso lugar nele.

No encontro ele começou mencionando o conceito de sociedade em rede, termo cunhado por Manuel Castells, que se refere a um modelo de organização social que se desenvolve a partir da interconexão em rede das tecnologias da informação e comunicação. Nessa nova sociedade, as tecnologias digitais têm um papel central na produção, circulação e consumo de informações, criando novas formas de interação social e transformando as práticas culturais, políticas e econômicas. Uma das principais consequências desse modelo de organização social é a criação de novas formas de corpo, subjetividade e identidade. De acordo com Couldry, as tecnologias digitais estão transformando a forma como nos percebemos e nos relacionamos com os outros, criando novas formas de subjetividade e identidade. Para ele, as redes sociais e outras plataformas digitais são espaços de produção e circulação de identidades, em que a percepção de si é constantemente moldada pelas interações online. Em sua obra “Sociologia dos meios de comunicação”, Couldry já analisava como os meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, influenciam a construção de subjetividades e identidades individuais e coletivas. Para ele, os meios de comunicação são espaços de poder simbólico, capazes de moldar as representações sociais e os imaginários coletivos.

Desde o surgimento da internet e das tecnologias digitais, a sociedade tem passado por profundas transformações que afetam todos os aspectos da vida social, incluindo a forma como nos percebemos e nos relacionamos com os outros. Um dos principais teóricos a analisar as relações de poder que permeiam a construção das identidades sociais foi o filósofo Michel Foucault. Em suas obras, como “Vigiar e Punir” e “A História da Sexualidade”, Foucault argumenta que as identidades sociais são construídas a partir de relações de poder que se manifestam em diversas esferas da vida social, incluindo a sexualidade, o corpo e as práticas cotidianas.

A antropóloga Gayle Rubin é outra autora que tem contribuído para o debate sobre as identidades sociais. Em seu ensaio “O tráfico de mulheres: notas sobre a economia política do sexo”, Rubin analisa como as categorias de gênero, sexualidade e raça são construídas em sociedades patriarcais e heteronormativas, e como essas categorias se relacionam com a exploração e a opressão de grupos vulneráveis, como as mulheres e as pessoas LGBTQIA+. Para ela, as práticas culturais e as relações de poder são centrais para a construção das identidades de gênero e sexualidade, e as tecnologias digitais podem reforçar ou transformar essas identidades.

A análise das relações entre identidade e poder também tem sido feita pela autora Judith Butler. Em sua obra “Problemas de Gênero”, Butler propõe o conceito de performatividade de gênero, argumentando que as identidades de gênero são construídas a partir de práticas performativas e discursivas que reiteram as normas e valores sociais. Em seus trabalhos mais recentes, como o livro “Corpos em Aliança”, Butler analisa como as tecnologias digitais e as redes sociais intensificam a performatividade de gênero na era digital. Em suas obras, como “Corpos que Importam” e “Vida Precária”, Butler argumenta que a performatividade de gênero se intensifica na era digital, em que as identidades são construídas e moldadas pelas interações online.

Já a filósofa Monique Wittig tem contribuído para o debate sobre identidade e poder, em especial no que se refere às categorias de gênero e sexualidade. Em “O Pensamento Heterossexual” e “A Marca do Gênero”, Wittig argumenta que as categorias de gênero são construções sociais e históricas que reforçam a dominação masculina e a heteronormatividade. Em “O Pensamento Heterossexual”, Wittig critica a ideia de que a heterossexualidade é uma condição natural e universal, argumentando que ela é construída socialmente e imposta como norma. Ela afirma que a heterossexualidade é mantida por meio de uma série de instituições, como a família, a religião e a lei, que excluem e marginalizam aqueles que não se encaixam nessa norma. Em “A Marca do Gênero”, Wittig explora a natureza binária da identidade de gênero e argumenta que a ideia de que existem apenas duas categorias de gênero (masculino e feminino) é construída socialmente e não é inerente à natureza humana. Ela sugere que a identidade de gênero é imposta sobre as pessoas desde o nascimento, e que essa imposição é usada para manter a hierarquia entre os sexos e justificar a opressão das mulheres cis. Wittig propõe uma visão utópica em que a categoria de gênero não existe e a liberdade sexual é possível.

Além disso, o surgimento de novas tecnologias e espaços digitais também deu origem a novas formas de subjetividades e identidades. Em seu livro “Modest_Witness@Second_Millennium.FemaleMan©_Meets_OncoMouse™: Feminism and Technoscience”, Donna Haraway argumenta que a relação entre tecnologia e subjetividade é crucial na formação da sociedade contemporânea. Haraway sugere que devemos ver o corpo humano como um híbrido de carne e máquina, à medida que os indivíduos se tornam cada vez mais entrelaçados com a tecnologia. Essa perspectiva desafia as noções tradicionais de gênero e sexualidade, bem como as fronteiras entre humanos e máquinas.

As pessoas autoras que têm se dedicado a analisar as transformações da sociedade contemporânea a partir das tecnologias digitais têm destacado a complexidade das relações entre poder, subjetividade e identidade. Para elas, as tecnologias digitais são capazes de criar novas formas de percepção de si e do mundo, mas também podem reforçar as desigualdades. À medida que continuamos a lidar com questões relacionadas a gênero, sexualidade e identidade na era digital, é crucial que nos envolvamos com essas perspectivas e trabalhemos para uma compreensão mais diversificada e inclusiva da subjetividade.


Veronyka Gimenes
Navega entre programação, gestão, design e ativismo. Especializada em Desenvolvimento de Software, Globalização e Cultura, e Diversidade. Com mais de 15 anos de experiência nessas áreas, já trabalhou com IBM, Prefeitura de São Paulo, Banco Mundial (para Governo do Ceará e Rio Grande do Sul), Bloomberg Philanthropies, Ministério da Cultura do Brasil, Campanha Presidencial Lula 2022 e Haddad 2018 e 2022, Partido Rede, OAB SP entre outros. Atuou em projetos no setor Legislativo, Executivo e Judiciário e já coordenou campanhas políticas. Já palestrou no TEDxUFRJ, Democracy Lab (MediaLab-Prado, Madrid), MIS – Museu da Imagem e do Som, Red Bull Station, Prefeitura de São Paulo, IAB-SP e InovaDay/iGovSP.

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